Sua liberdade por R$ 20,00

Desde que decidi usar o Linux-libre enfrento o mesmo problema com os drivers privativos das interfaces wifi dos meus notebooks: elas não funcionam. Meu primeiro note a passar por isso foi um CCE-787P muito bom, mas que tinha uma placa wifi péssima que só funcionava com  software não livre e ainda assim, funcionava muito mal. Tão mal que decidi comprar uma wifi externa.

É claro que usar um dongle usb funciona, mas é muito inconveniente, feio, pouco prático e também sensível: um movimento em falso e ele pode quebrar. Então decidi que era hora de fazer algo. Seria possível substituir a wifi interna? Eu estava disposto a tirar a poeira do meu antigo ferro de solda e meter a mão na massa se fosse necessário, mas felizmente não foi.

Depois de alguma pesquisa no https://searx.me e de longas conversas com o amigo Thiago Mendonça pelo https://actor.im/ descobri e entendi que a maioria dos notes vem com placas wifi removíveis. Parecem pequenos pentes de memória que podem ser facilmente trocados. Mas nem todos os modelos são assim, a maioria dos ultrafinos tem placas soldadas o que impossibilita a troca de forma simples. Nesses casos, a menos que você saiba muito bem o que está fazendo, é usar um dongle usb mesmo.

Isso entendido era hora de encontrar um modelo que pudesse substituir a minha placa interna. Os requisitos eram óbvios: que fosse boa e que funcionasse com drivers, firmwares e blobs livres. Usar Linux-libre não era mais uma questão de escolha, mas de alinhamento com meu ativismo no Software Livre.

É fundamental deixar claro que foi Thiago quem me guiou nesse caminho. Ele me apresentou ao site http://h-node.org onde podemos pesquisar se um determinado chipset funciona ou não com Software Livre. Então fica aqui meu super agradecimento e reconhecimento.

Meu segundo notebook é um Dell Inspiron e nele também troquei a placa wifi interna e estou muito satisfeito. Apesar de ter funcionado comigo de primeira, é necessário levar em consideração alguns aspectos importantes:

  • Garantia do produto – tenha em mente que será necessário abrir seu notebook e isso poderá comprometer a garantia do produto. Consulte o suporte do fabricante e pergunte sobre como deve proceder. No caso da Dell você mesmo troca, mas tem que guardar a peça original. Em caso de suporte você precisa colocar a original de volta no lugar;
  • Aspecto físico da placa – você precisa abrir seu notebook, remover a placa wifi e ter muita atenção para escolher um modelo fisicamente igual. Existem muitos formatos para um mesmo modelo ou chipset. Lembre-se que cada notebook é diferente, então formatos diferentes são necessários para de adaptarem perfeitamente. Tire medidas, verifique a pinagem, os cortes, conectores e todos os detalhes. Você vai buscar uma placa que é fisicamente idêntica para que ela encaixe perfeitamente no lugar da antiga. Não hesite em perguntar todos os detalhes para o vendedor, observe bem as fotos que ele publica, mande e peça as medidas. Tenha certeza de estar comprando o que precisa, pois nada é mas frustrante do que ter uma placa na mão e não poder encaixá-la no lugar.
  • Whitelist da BIOS – este pode ser o maior dos problemas: cada BIOS vem de fábrica com uma lista de modelos de placas que serão aceitas. Se a placa que você comprar não estiver nessa lista, ela não vai funcionar. As vezes a placa é simplesmente ignorada pela BIOS, outras vezes o note não liga. Não se preocupe, pois em qualquer uma das opções não haverá nenhum dano ao notebook. É fundamental entender que esse é mais um mecanismo de controle dos fabricantes e se deve ao fato das BIOS serem não livres. E onde consigo a whitelist das placas wifi do meu notebook? Bom essa tarefa não é tão simples pois os fabricantes sonegam essa informação, então é buscar pela internet para ver se encontra. Eu, na minha doce inocência, achei que o suporte do fabricante me daria essa informação, então liguei para a Dell, mas eles se negaram a me fornecer a lista.
  • Marcas e Modelos – Este é um dos pontos mais sensíveis de todo o processo, pois temos que identificar um modelo que funcione com Software Livre, afinal de contas o objetivo é usar o Linux-libre e libertar o notebook, certo? A dica é focar nas placas Atheros. Mas não deixe de pegar cada modelo disponível nos sites de compra, que tenham o mesmo formato da sua placa, e pesquisar no http://h-node.org para ver se funcionam com Software Livre. Os modelos que eu comprei foram os seguintes:
    • Atheros Ar5b95
    • Dell Dw1707 (chipset Atheros QCA9565 / AR9565)
  • Investimento ou despesa – essas placas wifi são vendidas em sites de venda como o Mercado Livre por até R$ 20,00 com frete grátis. É claro que alguns vendedores se aproveitam e vendem mais caro, mas basta ter um pouco de paciência. No meu caso eu comprei uma por R$ 20,00 e outra por R$ 15,00 entregues em casa! Portanto o investimento é tao baixo, que se der errado e não funcionar será uma perda aceitável.
  • Testando – você pode baixar a ISO do Trisquel e instalar em um pendrive para rodar uma distribuição 100% livre em seu notebook e confirmar que sua wifi nova já funciona. A sensação de ter se libertado é ótima!

Então vamos fazer um passo a passo para simplificar:

  1. Consulte o fabricante sobre a garantia;
  2. Abra o notebook;
  3. Localize e remova a placa wifi;
  4. Meça e anote todos os dados físicos da placa, inclusive a pinagem de conexão e conectores;
  5. Busque no Mercado Livre (ou outro site) por placas wifi internas Atheros;
  6. Pergunte tudo ao vendedor. Mande as medidas e detalhes físicos da sua se for necessário;
  7. Compre;
  8. Quando chegar, substitua a sua placa velha e escravizante por uma nova libertária!
  9. Inicialize seu notebook com Trisquel e certifique-se que está funcionando;
  10. Instale o GNU Trisquel ou outra da lista da FSF;
  11. Mande um e-mail para o fabricante contando o que fez e pedindo que os próximos modelos venham com placas wifi que funcionem com Software Livre.

É claro que mudar a placa é uma opção, mas seria muito mais legal se isso não fosse necessário. Mas os fabricantes só se preocuparão se nós fizermos pressão, exigindo componentes que funcionem com Softwares Livres que respeitem a liberdade do software. E como fazer isso? Cobrando do seu fornecedor. Então não se acomode, cobre!

Ficam abaixo as dicas para os tutoriais feitos pelo Thiago para instalação da BIOS livre libreboot e do linux-libre para o Debian. Divirtam-se:

  • libreboot – https://acesso.me/blog/libreboot-e-thinkpad-x60s-saga/
  • linux-libre no Debian – https://acesso.me/blog/instalando-o-kernel-linux-libre-no-debian-jessie/

Espero que este pequeno tutorial possa lhe inspirar a libertar seu notebook dos sistemas Linux que prometem liberdade, mas que na verdade estão recheados de blobs privativos.

Então que tal se deixar levar e ser um nerd de verdade? trocar sua placa? e parar de reclamar da incompatibilidade dos sistemas GNU e se libertar por R$ 20,00?

Nos vemos na sua pŕoxima distribuição GNU!

Saudações Livres!

 

4 comentários em “Sua liberdade por R$ 20,00”

  1. Achar hardware amigável a software livre é nosso grande desafio do ponto de vista prático da coisa.
    Conseguir a coragem para as vezes quebrar uma garantia de hardware ou a simples coragem de sair da zona de conforto, é extremamente difícil, e é ai que tutoriais e textos como esse se mostram de extrema importância.
    Dar a si mesmo a oportunidade de usar somente software livre é algo magico, e, embora um pouco trabalhoso, relativamente simples caso os passos sejam seguidos corretamente…

    Eu ainda vou falar no acesso.me sobre minha opinião a respeito de distribuições GNU/Linux que não são aprovadas pra FSF (e com bons motivos pra isso) que podem ser limpas, como você mesmo faz e já fez inumeras vezes. O que eu quero deixar como ponto mega positivo é a indicação do Trisquel. Alem dr ser uma distro que, salvo hardware issues, funciona out of the box… E possui uma comunidade bem bacana ao redor.
    Um ultimo adendo. O coreboot e a implementação que eu escolhi dele, o libreboot, são extremamente positivos para a maquina, infelizmente devido a amarras de fabricantes, não possui suporte a mais mobos… A torcida é que, pressionando as fabricantes, alternativas livres sejam lançadas.

    Excelente texto e já replicado. Parabéns!

  2. Muito bom o texto, esclarecedor, pena q pro usuario comum é dificil fazer essa troca, já é dificil pra mim, um usuario mais técnico, imagina outras pessoas…

    Realmente é importante e necessario buscar alterar um hardware o maximo posssivel para chegar perto dos 100% livre, mas anahuac, vc podia sugerir tbm os notebooks 100% livres e homologados pela fsf, que sao um thinkpad x60s (da qual estou usando no momento e preciso trocar o wifi-desculpe), thinkpad x200 e t400 se nao me engano e outro em nivel de servidores que nao me lembro o nome.

    Em relacao ao libreboot, acho que esse projeto tem uma importancia muito esquecida pela maioria das pessoas e o UEFI ta ai pra provar do controle que o software privativo pode fazer na maquina da pessoa e parece que vi no site deles (libreboot.org), que tem uma leia perambulando pelo congresso americano que pode proibir utilizacao de drivers, firmwares alternativos em smatphones, roteadores, etc, tornando ilegal a pratica e ate impedindo a instalacao de distros gnu/linux.

    Se um dia isso acontecer, a comunidade open source finalmente ouvira seu pai e mestre Richard Stallman, pois se nao seria o fim da liberdade na rede.

    1. Wellton Costa

      Adendo: Richard Stallman não é pai, muito menos mestre da “comunidade Open Source”… muito pelo contrário… ele se opõe ao OSI.

  3. Pingback: Porquê alguns ativistas do Software Livre não recomendam mais o Linux? – O que der na telha

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