Fórum Social Mundial 2005 – Havia um “paraíba” lá.
João Pessoa, 23 de fevereiro de 2005
Quem nunca foi não faz idéia do que seja, para que serve nem seu grau de importância. Esta frase não deve ser de minha autoria, mas prometo que não a copiei de ninguém. Autoria é sempre algo relevante para os homens de bem e que respeitam a criação de outrem, que valorizam o trabalho alheio e acreditam que um mundo melhor é possível.
Aliás essa foi a mensagem principal do Fórum Mundial Social – doravante demonimado FSM.
Melhorar o mundo é algo utópico e indelével. Depois de anos na militância por um mundo mais justo e igualitário, eu diria que o “Melhorar o mundo” é quase inodor, insípido e disforme. Um sonho, uma realidade paralela, objeto concreto das filosofias perdidas e da ciência oculta. Pelo menos é assim que me fazem sentir os não crentes que na maioria das vezes são pessoas com mais de cinqüenta anos e neo-burgueses alienados.
Com toda a licença poética possível quero deixar claro que esses sem dúvida foram e continuarão sendo os cegos poderosos que mantém as estruturas de corrupção e exploração da humanidade. Estes são os pilares manipulados pelos poderes escusos que mantém a pirâmide – com sua base cada vez mais ampla e seu cume cada vez mais estreito – da distribuição de riqueza, qualidade de vida e justiça como a conhecemos.
São estes senhores e senhoras os que perpetuam pérolas como: “as oportunidades são para todos e quem não as aproveita merece viver na miséria na qual se encontra”. Com uma base religiosa segregária, onde Deus esta para todos, mas só da para alguns, acreditam piamente que noventa e cinco por cento dos humanos do Terceiro Mundo são “preguiçosos” que merecem sua condição de pobreza e desigualdade.
Assistindo ontem ao desfile da Imperatriz Leopoldinense, que fez uma linda apresentação sobre o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen – autor de jóias infantis como “O Soldadinho de Chumbo” e “O Patinho Feio” – o comentarista da Rede Globo solta o seguinte comentário: “É importante dizer que as relações comercias entre Brasil e Dinamarca são muito fortes. São mais de cinqüenta empresas dinamarquesas no Brasil que movimentam mais de quinhentos milhões de dólares por ano.”
Acho que ele esqueceu de mencionar quantas empresas brasileiras estão na Dinamarca e quantos milhões de dólares nós movimentamos por lá. Acreditem, são pouquíssimas e não devemos movimentar nem perto do valor anunciado pelo repórter da Rede Globo.
Devido a alguma mágica, a maioria das pessoas do Terceiro Mundo, acredita que é realmente benéfico para nossos países que existam milhares de empresas estrangeiras fazendo negócios e explorando nossos recursos. Acreditem: se essa fosse uma fórmula benéfica os países do primeiro mundo teriam mais empresas internacionais do que locais. E não é isso o que acontece.
Como disse antes: Quem nunca foi não faz idéia do que seja, para que serve nem seu grau de importância. O FSM, sem dúvida, foi a maior manifestação de democracia que já presenciei em toda minha – jovem – vida.
Em novembro de 2004 participai do CONISLI (Congresso Nacional de Software Livre), em São Paulo, onde conheci o gaúcho Everton Rodrigues, membro da Central de Movimentos Populares. Ele assitiu a uma palestra improvisada pela amiga Sulamita Garcia, da Linuxchics, entre os stands dos Grupos de Usuários de Software Livre, para que eu apresentasse o Complexo de Formiga. Assim quase duzentas pessoas se sentaram no chão para ouvir a este que vos escreve, falar sobre os processos de manipulação dos países exploradores sobre os países do Terceiro Mundo e como o Software Livre é um dos melhores “remédios” para esse mal.
Terminada a apresentação, Everton me convida para reapresentar essa palestra no Fórum Social Mundial. Convite que foi aceito de imediato e com muito orgulho.
Na segunda-feira dia 24 de de janeiro de 2005 recebo uma ligação , para mim surpreendente pois eu não tive nenhuma gestão a esse respeito, informando-me que uma passagem me foi concedida… alegrou-me saber que tem pessoas que se mobilizam por boas causas.
De qualquer forma a passagem estava marcada para o dia 25 de janeiro de 2004 às 06:00 saíndo de Recife. Isso me deixou com menos de 12 horas para me preparar e partir para Porto Alegre. Como diriam meus amigos mineiros: “Facím”, frente à quantidade de obstáculos vencidos em outras viagens.
Do Aeroporto Salgado Filho direto para o Acampamento da Juventude no Parque Harmonia, próximo do Gasômetro na orla de Porto Alegre. Esse era o ponto de encontro. Mais especificamente a Tenda de Conhecimentos Livres. Sim amigos, os princípios do Software Livre romperam as barreiras dos bits e bytes e se transformaram em eixo temática do maior evento social do mundo.
Ao chegar o impacto é inevitável. Pessoas de todos os tamanhos, cores, vestimentas, tribos, religiões, físicas e metafísicas emaranhadas em espaços definidos para “armar a barraca” (no bom sentido), um burburinho de gente, de músicas, uma feirinha de artesanato que mais parecia uma feira medieval e muitas manifestações pro “Um Mundo Melhor”. Simplesmente fantástico!
Terra batida e grama, o Guaíba logo ali na frente e essa multidão ordenadamente desordenada se fazendo presente. Uau!
Consegui me localizar dentro deste mar de gente depois de apenas oito ligação para Everton. Finalmente aportei na Tenda de Conhecimentos Livres: uma estrutura feita com paredes de “pau a pique” com piso de tapume com duas salas amplas e um auditório no meio, cobertos com uma lona plástica. Estas salas estavam repletas de computadores conectados à internet por cabo e wireless. Surreal. Surrealidade foi o que me veio à mente. A última vez que senti algo parecido foi quando visitei alguns telecentros nos bairros mais pobres de São Paulo.
Reencontrei vários amigos velhos e, mais uma vez apelando para a licença poética, reencontrei vários amigos novos. Fabianne Balvedi a “Fabs” e Karinna Bueno (perceberam que as duas tem dois “enes” nos nomes 🙂 tinham chegado no dia anterior de Curitiba em um ônibus com uma “trupe de malucos criativos sensacionais” que trabalham com produção de áudio e vídeo livres e estavam mais à frente da organização do espaço. Os amigos Cláudio Filho – OpenOffice.org.br e Paloma – Java Livre (por mais incoerente que Java e Livre possam ser) também estavam por lá. Recém chegados. Um alívio para mim, que tinha passado as últimas 16 horas viajando e tinha chegado naquela sopa fundamental humana.
Entre os membros da “trupe de malucos criativos sensacionais” conheci Jeff e o “Mexicano”, dois caras absolutamente comprometidos com o repasse de conhecimento e das técnicas de criação, produção e edição de áudio e vídeo utilizando ferramentas livres. Foi uma experiência única unir desejos em diversas áreas do conhecimento com o mesmo propósito de difundir irrestritamente esse conhecimento.
Algumas horas depois houve uma reunião ampla e aberta para organizar as oficinas onde todos se apresentaram e deram suas sugestões. E assim foi do início ao fim do FSM em todas as demais tendas, em todas as demais oficinas e encontros: tudo decidido democraticamente.
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Importante neste momento abrir um espaço para repensar a democracia. Os que estavam apresentando trabalhos, oficinas, palestras, cursos, etc. foram selecionados e/ou convidados para fazê-lo. Independente do eixo temático, os executores foram pessoas que se destacaram em suas áreas e que foram ao FSM para compartilhar suas experiências, técnicas e tecnologias com todos os demais executores e com o público em geral. Esse processo é o que chamo de Democracia Qualitativa.
O dono do restaurante da esquina não seria admitido nesse meio. Portanto quando se fala em democracia pura não a confunda com bagunça ou anarquia sem limites.
Assim como acontece na grande maioria das organizações onde não há eleição de representantes, a democracia existe e funciona muito bem através dos líderes naturais que são apontados pela maioria por conta de suas atitudes e realizações. Bem diferente da democracia quantitativa, a qualitativa tem uma incidência muito menor de que falsos líderes surjam, assim como possúi um índice de tolerância a falhas quase nulo. Se um suposto líder age contra os interesses do seu grupo ele é automaticamente desqualificado e perde o apoio da maioria.
Portanto o processo que presenciei no FSM foi sempre Qualitativamente democrático.
</conceituação>
A noite chegou e entre exaustos e mais-que-exaustos, começamos os preparativos para dormir. Everton então nos informa, para Cláudio e para mim, que as pessoas que nos hospedariam (sim esqueçam a possibilidade de um hotel a estas horas. Foram mais de cento e vinte mil participantes para o FSM e nem quarto dos fundos de padaria de subúrbio tinha vaga), estavam incomunicáveis.
Como assim incomunicáveis? Qual seriam as nossas opções? Depois de algum tempo ficou acertado de que iríamos dormir no apartamento da pessoa que estavam hospedando Fabs e Karinna. Ufa, agora pelo menos tínhamos um teto.
Fomos jantar com Paulo, sua esposa Carla e os demais do grupo. Como já era tarde Paloma não poderia voltar para a cidade dela (desculpe mas não lembro mais o nome), ficou acertado de que ela dormiria nesse apartamento também.
Assim terminamos indo para a casa de um Santo, que recebeu a nós cinco e mais uma dúzia de outras pessoas (tá certo ele é um Santo sem conhecimento de causa, afinal ele não soube desta invasão de pessoas em sua casa até o dia seguinte). Terminamos dormindo lado-a-lado, da esquerda para a direita: Paloma, Cláudio, Fabs, Karinna e Eu. Sem lençóis, travesseiros ou ventilador em pleno verão de Porto Alegre. Apesar do estar na presença destas lindas mulheres e do que possam pensar as mentes poluídas, não foi uma das melhores noites de sono que já tive. Mas tudo bem, em alguns minutos a exaustão tomou conta de todos.
O dia seguinte transcorreu sem maiores problemas e foi um dia para conectar-se à internet, revisar e-mails e tentar deixar as coisas em ordem, mesmo a mais de quatro mil quilômetros de casa. O ponto alto foi a apresentação de Gilberto Gil no show de noite.
Essa noite também tem história: depois de algumas horas eu estava imprestável e louco para ir dormir, afinal às 12:15 horas do dia seguinte seria minha apresentação no FSM. Procurei Everton e anunciei que precisava ir. Então ele me diz que não tem a chave do apartamento e que não tínhamos como localizar Fabs ou Karinna, ou seja, eu estava, de novo, em maus lençóis. Solução imediata: dormir na barraca de camping que Everton tinha no Acampamento da Juventude.
Sem hesitar e disposto a escrever estas linhas depois fui com ele até a barraca, entrei, fiz da mochila do notebook um excelente travesseiro e passei a dormir o sono dos justos.
Dia 27, quinta-feira, dia da minha apresentação.
Sou acordado pelo calor dentro da barraca às 08:00 da manhã. O Sol impiedoso não me deixaria passar nem mais um minuto deitado. Levantei com a cara inchada e com uma leve dor nas costas. Apesar da noite ter sido bem dormida o chão de pedrinhas e o colchonete disponível não fizeram bem para as costas. É assim que percebemos que a idade esta começando a pesar :-).
Fui até uma torneira coletiva e lavei a cara. Depois procurei uma barraca e comi alguma coisa e fui para a Tenda de Conhecimentos Livres para ver se encontrava alguém do grupo na esperança de pegar a chave do apartamento e ir tomar um banho e trocar de roupa para fazer minha apresentação.
Só encontrei alguém perto das 11:30, ou seja, tarde demais. Acompanhado de Cláudio e de Vaz me encaminhei para o lugar da minha apresentação, que foi no Bloco A do FSM. O Bloco A ficava a mais ou menos dois quilômetros de distância. Acredito que esse foi um dos erros mais graves do evento. A distância entre os blocos. Mas nem tudo são flores.
Chegamos na hora certa e depois de alguns minutos inicie a palestra “Complexo de Formiga”. O público não era grande, mais ou menos oitenta pessoas, mas a reação e participação foram muito boas. Como o tempo destinado a cada atividade era de três horas e essa palestra tem duração máxima de uma hora e meia, tivemos tempo para fazer um debate.
Essa foi uma experiência inédita para essa palestra. E foi extremamente gratificante poder trocar idéias com os participantes sobre as questões levantadas. O que mais me chamou a atenção foram as críticas ao meu “radicalismo”. Isso porque em um determinado momento da palestra deixo claro que a exploração deve acabar e que “americanos, europeus e japoneses bons são americanos, europeus e japoneses mortos”. Esta claro que esta frase colocada fora de contexto é realmente radical, mas dentro dos objetivos e propostas estabelecidas não.
Acho sempre curioso que os que se opõem às políticas de controle das massas para impor seus mecanismos de exploração sem medidas sejam taxados de radicais, ou seja, o imperialismo norte-americano pode sim financiar com armas e ser o responsável por milhões de mortes civis por inanição na África, pode bombardear sem limites um país pobre como o Afeganistão, pode sim ser responsável pelo inaceitável índice de mortalidade infantil em todo o Terceiro Mundo. Mas qualquer um que deseje pagar-lhes na “mesma moeda” é automaticamente taxado de radical.
Desejo igualdade entre os homens, paz na terra e morte aos opressores. Se isso me transforma em um radical. Me perdoem, sou um radical.
Depois da palestra voltamos juntos para a Tenda de Conhecimentos Livres na companhia do Mestre Pedro Rezende. Como sempre uma conversa muito elucidativa e gratificante.
Nessa mesma tarde fui convidado para o lançamento Oficial do Fórum Internacional de Software Livre 2005 que foi realizado no auditório do Serpro. Momento de alegria para toda a Comunidade Brasileira de Software Livre. Marlon, Mario Teza, Marcelo Branco, Bueno, Loimar, Corinto, Fuzaro, Franciosi, Deivi, João Cassino, Ana Carina, Lages, Elaine, Sérgio Amadeu, Bimbo, Fernanda Weiden, Cristiano, Greve e certamente muitos outros cujos nomes me fugiram agora estavam presentes. Muito legal ver todos juntos para apoiar a realização do maior evento de Software Livre das Américas e um dos maiores do mundo.
Nesse evento a amiga Loimar descobriu que havia vaga para ficar no apartamento do irmão de Deivi, que se chama Wesley. Na verdade João Cassino já estava hospedado por lá e foi fácil de organizar com Deivi e João para que eu me hospedasse por lá durante o resto do evento. Ufa! Finalmente depois de três noites infernais tive uma cama legal para dormir além da paz propiciada pelos anfitriões Wesley e Felipe. Obrigadão galera!
Depois do evento do lançamento oficial do FISL 2005 fomos todos tomar umas cervejas e colocar o papo em dia. Um dia tranqüilo e de paz.
Dia seguinte no Laboratório de Conhecimentos Livres, depois de um dia exaustivo de oficinas, todos nós fomos recompensados pela presença do Ministro da Cutlura Gilberto Gil que foi nos fazer uma visita para ver de perto como andavam os trabalhos. Numa demonstração de simplicidade sem precedentes ele foi até o palco que havia na tenda para conversar com todos e dar o seu suporte aos seres quixotescos que lá estavam.
A recepção não foi das mais calorosas. Seguindo o espírito do FSM os grupos ligados às Rádios Comunitárias fizeram piquete, gritaram palavras de ordem e seguravam cartazes contra a maneira repressiva e violenta com a qual a Anatel tem agido contra essas rádios.
O clima ficou bem tenso enquanto o Ministro literalmente “batia-boca” com alguns manifestantes e uma rádio local gritava pelo sistema de som que o “Sr. Gilberto Gil tem muito que explicar”. Como disse antes as exigências eram no sentido de que providências imediatas fossem tomadas para parar com o recolhimento de equipamentos de rádio-transmissão e a prisão de alguns profissionais que trabalham nessas rádios. Pedidos mais do que válidos, especialmente para um Ministro que sempre foi a favor da democratização da cultura.
Impressionante ver o Ministro sem guarda-costas, frente-a-frente com a massa insatisfeita dando suas explicações sobre como a burocracia ( ou seria “burrocracia” ) consegue tornar uma simples diretriz de comando em um processo lento e doloroso. E como apesar de não concordar pessoalmente com a lei que trata da rádio-difusão, deixar claro que não se pode simplesmente desrespeitá-la. A lei existe e deve ser cumprida, até que ela seja modificada.
Estava bem claro que o Ministro Gilberto Gil estava em uma situação bastante desconfortável: por uma lado concorda plenamente com as exigências e por outro esta de mão atadas pelas más leis das quais o Brasil dispoê.
Apesar do clima inicial ter sido tenso, depois de alguns minutos e os devidos esclarecimentos as coisas se acalmaram e ele fez o que sabe fazer de melhor: tocar e cantar. Lindo ver sua humildade para com os demais músicos que estavam presentes e o acompanharam em umas seis ou sete canções.
Nesse momento todas as irritações e ressentimentos esvaneceram, restaram apenas os bons sentimentos regados pelo compartilhamento da música e o público acompanhou cada uma delas de forma arrepiante.
Reconheço que perdi um pouco o “fio da meada”, mas vamos prosseguir com os acontecimentos mais importantes dos últimos dias.
Acredito que foi na sexta-feira de noite que foi organizada uma festa no Barco Amarelo. Trata-se de um velho navio que esta atracado no leito do Guaíba. Ao que tudo indica de forma permanente e definitiva. Este foi transformado em uma pitoresca discoteca e ao som dos amigos que produzem sons e imagens livres que mandaram ver, todos, de todas as comunidades livres se esbaldaram em uma pista de dança inclinada. Sim inclinada porque o barco estava inclinado. Até Corinto que não bebe uma única gota de álcool teve uma nítida sensação de embriaguez.
Dia seguinte Sábado
Tirei o dia para assistir a palestra do Presidente da Venezuela Hugo Chavez. Wesley e eu decidimos ir para o Gigantinho ( o ginásio do Clube Internacional ) o mais cedo possível. Assim, mesmo sabendo que a palestra do Sr. Hugo Chavez seria apenas as 18:00 horas saimos de casa ás 14:00. Já tínhamos passado por outras apresentações onde os locais simplesmente lotavam e era impossível de vê-las.
As 14:30 estávamos nos portões do Ginásio em uma fila que já tinha mais de cem metros de comprimento e que rapidamente atingiu mais de dois quilômetros. O sol esse dia não deu trégua e o consumo de água foi “camelesco” :-).
Foi bem interessante a forma encontrada pela coletividade para espantar os penetras da fila. Sempre que um grupo, fosse pequeno ou grande, se aproximava do inicio da fila todos os que estavam esperando faziam horas, gritavam em uníssono: “Fila!, Fila!, Fila!”. Não estou bem certo se funcionou ou não, mas que realmente foi engraçado foi.
Em um determinado momento um grupo de 4 pessoas cruzou a fila e se posicionou em um lugar suspeito. Não deu outra: “Fila!, Fila!, Fila!”. Somente quando as pessoas cansaram de gritar foi que eles puderam explicar que não estavam tentando furar a fila, mas sim procurando um bom lugar para vender camisetas. Sensacional!
Somente as 16:30 os portões foram abertos e pudemos entrar. Depois de algum empurra-empurra e da revista dos guardas, pudemos entrar e nos posicionar nas cadeiras numeradas do Gigantinho. Depois de horas, foi muito agradável poder sentar e relaxar.
Muitos artistas latino americanos se apresentaram antes do pronunciamento do Sr. Hugo Chavez. Então finalmente às 19:30 ele começou a falar.
Como leitor assíduo de tudo que se relaciona com os movimentos revolucionários latino-americanos, eu estava especialmente ansioso para ouví-lo, especialmente por saber que as relações entre ele e o Presidente Norte Americano George Bush não estavam nada bem. E ainda não estão. Chavez tem fama de boquirroto, mas a verdade é que nunca tinha, eu, presenciado algo como aquilo.
Sem perder a postura, nem o humor, Hugo Chavez ( e aqui peço licença para não chama-lo de Senhor, nem de Presidente e sim de companheiro ) derramou toda sua verborragia sobre o “Império Yankee”. Mostrando números oficiais do crescimento e da melhor distribuição de renda, saúde e educação na Venezuela excitou o público. A cada chance que tinha deixava claro que os “Irmãos do Norte” não poderiam fazer nada contra uma República que depois de eleger o seu candidato democraticamente, depois o referendou em um plebiscito sobre sua permanência ou não no Cargo.
Esclareceu que o processo foi óbvio: estatizar a extração e refino de petróleo – o principal produto do país – e redistribuir os lucros de forma social construtiva, ou seja, oferecendo bolsas nas escolas públicas para que os mais pobres possam estudar, fazendo campanhas de alfabetização dos mais velhos, oferecendo saúde gratuita e de qualidade, e fomentando a economia.
Sem perder a calma, explicou que o processo toma tempo, pois as leis anteriores tiveram que ser alteradas e que respeitar as leis e o processo democrático e o processo legislativo leva tempo, mas que os avanços devem ser conquistados passo-a-passo.
Acusou diretamente o Governo Norte Americano de tentar desestabilizar o processo democrático na Venezuela, assim como de continuar tentando taxa-lo de populista e mal governante. A resposta foi linda: “Se ser populista e mal governante é essa incansável busca pela melhoria social do povo Venezuelano e da América Latina, pois que assim seja! A nova revolução esta lançada e eles, os Imperialistas Yankees tem sim muito motivo para estar com medo!”.
Confesso que a emoção me dominou diversas vezes nas mais de duas horas de discurso.
Encerrou magistralmente pedindo ao povo brasileiro que tivesse um pouco de paciência com o Presidente Lula, que mais do que um amigo, é um dos “alinhados” com o novo processo revolucionário , que faz mudanças drásticas na sociedade, mas que leva mais tempo por se tratar de um caminho democrático e respeitador das leis.
Depois desta maratona não me restavam forças para mais nada. Jantei alguma coisa e fui para casa dormir.
Assim foi minha experiência neste evento fantástico, indescritível, mágico, democrático e revolucionário. Estou certo que o FSM é muito mais divertido do que devem ser aquelas reuniões engravatadas em Davos.
Amigos independente de sua inclinação política, ideologia ou crença, nunca mais se permita perder um evento como este, onde tudo e todos, cada um da sua forma contribui para que um mundo melhor seja possível.
Anahuac de Paula Gil