Este início de ano, que chega de fato depois do Carnaval, tem me trazido uma série de desafios sociais e de convivência. Sempre fui considerado uma pessoa de termos rígidos, para dizer o mínimo. Seja pelas convicções políticas e ideológicas, seja pela minha insistência em tentar fazer as coisas do jeito certo e demandar que os demais também o façam.
Todos os dias, de segunda a sexta, às 11:40 saio do trabalho e vou pegar meus lindos filhos, Amanda e Arthur na escola. São duas crianças no auge da infância e a escola é destinada a eles, pois é pequena e dá a devida atenção a cada aluno. Mas a qualidade tem suas recompensas e com elas as suas consequências. Com o trabalho bem feito a escola tem conseguido cada vez mais alunos e, com isso, mais pais se encontram nos horários de pico, ou seja, nos momentos de deixar e ir buscar seus filhos. O resultado tem sido uma verdadeira confusão de carros que disputam cada milímetro para estacionar.
De qualquer forma há espaço para todos, mas não sem inconvenientes, pois só é permitido estacionar do outro lado da rua, ou seja, na maioria absoluta das vezes, é necessário atravessar a rua. É claro que não pretendo discutir porque a galinha travessou a rua, basta entender que dá trabalho e é perigoso. São crianças com suas bolsas e habitual desatenção, ocupando o mesmo espaço dos carros e seus motoristas indisciplinados, sem nenhuma educação doméstica. Até pouco tempo atrás não havia nenhuma sinalização em frente a escola, e atravessar a rua era sempre a aventura de correr ou simplesmente enfrentar o trânsito e buscar contar com a boa vontade dos motoristas que se compadeciam da situação parando seus automóveis.
Faz algumas semanas foram pintadas faixas de pedestres bem em frente à saída da escola, assim como foram colocadas placas que permitem estacionar do mesmo. Esta permissão é daquelas de embarque e desembarque, para permitir que os pais possam coletar sua carga preciosa. Infelizmente o que deveria ser uma excelente oportunidade para educar as crianças, dar-lhes a devida segurança e permitir um melhor convívio social, tem se transformado no pior exemplo do comportamento do brasileiro de classe média.
Todos os dias, sem exceção pais e motoristas estacionam sobre a faixa de pedestres, impedindo as crianças de atravessarem a rua em segurança. É um comportamento vergonhoso daqueles que deveriam dar o exemplo de civilidade aos seus filhos. Seja de um lado ou outro da rua, seja um pai, uma mãe, um casal, uma avó ou até mesmo os ditos profissionais o fazem. Fico me perguntando se esses pais mastigam de boca aberta na hora do almoço, e explicam para seus filhos de que isso não tem importância. Afinal de contas os filhos estão vendo seus pais estacionarem em local proibido, e assim como os meus, devem questionar sobre o porque o fazem. Será que desculpas esfarrapadas de falta de tempo ou simples conveniência serão suficientes para formar os bons cidadãos do futuro?
Eu busco estacionar em local permitido, tenho sido assíduo usuário da faixa de pedestres e cansei de ver o absurdo acontecendo na minha frente todos os dias. Decidi iniciar um contato direto e pedir, gentilmente, que essas pessoas não estacionem mais irregularmente. Veja, sequer estou considerando o limite estabelecido pela faixa de controle que fica a uns 4 ou 5 metros de distância. Basta que não estacionem sobre a faixa propriamente dita. Estas abordagens tem se tornado uma constante, pois a falta de vergonha na cara dos pseudo burgueses de João Pessoa é, também, constante.
Eu estava decidido a começar, mas não sabia o melhor momento. Aconteceu na última segunda-feira. Quando saio com as crianças da escola, para atravessar, havia um carro preto estacionado exatamente sobre a faixa. Decidi esperar o dono voltar, pedir que não fizesse mais aquilo e que por favor removesse o carro. Em alguns minutos se aproxima a mãe de um aluno da tarde, que tinha ido a escola para resolver alguma pendência burocrática. A interpelei, fiz minha solicitação e a resposta foi a esperada: \”nada, só fui ali um minutinho resolver um probleminha\”. Impressionante como o fator tempo, neste caso, deveria ser uma ótima desculpa. É a \”five seconds rule\” para estacionar em local proibido. Mas em vez de entrar no carro e sair dali o mais rapidamente possível, ela se trancou no carro e acionou o aparelho celular. Ficamos, as crianças e eu, esperando na calçada, sem poder utilizar a faixa de pedestres. E como só poderia ser nestas horas, começou a chover.
Esperei até que ela terminasse de fazer sua pesquisa ou consulta ao aparelho e quando ela o largou, no assento do passageiro, me arrumei com as crianças para que, em ela saindo, imediatamente pudéssemos atravessar. Eis que ela, percebendo nossa movimentação, recuperou o aparelho e decidiu fazer alguma outra consulta. Decidi que estava na hora de intervir: toquei no vidro. Ela o abaixou pela metade e eu lhe pedi, mais uma vez, por favor, que tirasse o carro da faixa de pedestres. Foi o suficiente para que esta desconhecida senhora entrasse em modo de agressão: me insultou de louco, me ameaçou de processo por agressão, ameaçou não tirar o carro, tudo aos berros. Resumindo, fez o maior barraco. Só moveu o carro quando eu peguei o meu celular e comecei a bater fotos dela e do automóvel estacionado em lugar proibido.
Fico imaginando se ela se comportaria da mesma forma se o seu filho ou filha estivessem presentes. Olhando pela perspectiva da criança: \”minha mãe está enlouquecida, gritando com aquele homem, porque ele pediu para ela sair de cima da faixa de pedestres?\”. Seguida das perguntas inconvenientes típicas das crianças: \”Mamãe, porque você gritou com aquele homem?\”, \”Mas pode estacionar na faixa de pedestres?\” \”A Tia Lívia disse que não podia estacionar na faixa de pedestres\”. Me da vergonha por ela. Quem sabe dentro de alguns anos, quando o filho pedir o carro emprestado, para ir numa festa, ela dará conselhos para ele beber pouco pois está dirigindo. Por que apesar da Lei Seca, pode-se sim beber um pouco e dirigir. Errado, não pode.
Nos dias seguintes tenho encontrado sérias resistências de Pais e de motoristas de transporte escolar que estacionam sobre a faixa como se estivessem nas salas de suas casas, comendo de boca aberta. Se minhas investidas não surtirem efeito devo tomar outras providências.
É provável que minha vida seria mais tranquila se eu não me metesse nessa questão. Se eu deixasse que todos estacionassem na faixa de pedestres e ensinasse meus filhos a se esquivar dos carros lá estacionados. Provavelmente eu teria que ensiná-los que as pessoas são mal educadas, egoístas e sujas. Fá-lo-ei, mas não calado. Não as ensinarei a silenciarem ao ver uma aberração social. Se todos não jogássemos lixo no chão, pedíssemos aos demais para não fazê-lo e repreendêssemos quem o faz, na exata hora em que o fazem, o chão seria um lugar mais limpo. Este país seria mais limpo. As pessoas seriam mais honestas, pois a tolerância com o mal comportamento alheio começa na infância e termina nos políticos, empresários e pessoas corruptas corroendo a nossa sociedade.
Aos pais que estacionam sobre a faixa de pedestres e são repreendidos fica minha sugestão: enfiem o rabinho entre as pernas, assumam seu erro, peçam desculpas e removam seu automóvel o mais rapidamente possível. Aos pais que viram carros estacionados sobre a faixa de pedestres, interpelem, conversem e peçam, gentilmente, que os infratores não o façam mais. Façam isso em frente dos seus filhos: os infratores mostrarão aos seus filhos a beleza de se reconhecer que errou e a nobreza em corrigir o erro. Aos intervencionistas fica o exemplo de como agir ativamente, de forma civilizada, para o bem comum e a boa convivência social.
Como o título do grande Içami Tiba nos lembra: \”Quem ama, educa\”.
Saudações Livres
@anahuacpg