Acerca de quarenta anos atrás um gênio da humanidade revolucionou a forma como se lida com a tecnologia computacional. Nos idos dos anos 80, em plena ascensão do capitalismo digital onde Bill Gates e Steve Jobs se tornavam bilionários concentrando riqueza pelo controle da tecnologia, Richard Stallman teve um lampejo humanista pregando que o conhecimento tecnológico deveria ser democratizado de forma livre e irrestrita.
Como bom Yankee, Stallman nunca assumiu o fundamento comunista da filosofia do Software Livre. Mas como chamar algo cuja produção, difusão, modificação e ganhos seriam realizados de forma colaborativa, igualitária e livre? Comunista? Sim, mas não vamos espalhar, porque dividir igualmente, dar oportunidade para todos, compartilhar poder e riqueza é “coisa de comunista”.
Não é preciso muito esforço para adivinhar a reação dos defensores do capitalismo, dos meritocratas, dos reacionários, e claro, dos pobres de direita quando a ideia começou a tomar forma e a ganhar adeptos. A maioria absoluta dos nerds e profissionais de TI fizeram oposição ferrenha às ideias do Software Livre. Essa é a uma classe de trabalhadores cujo desejo de acertar na ideia certa que os tornará bilionários é muito maior do que qualquer sentimento fraterno, fazendo que sejam, provavelmente, os mais reacionários entre todos os trabalhadores. Elitistas, acham que são especiais por controlar os computadores e, portanto, por controlar as pessoas. Isso é tão besta quanto torneiro mecânico se achando industrial.
Então aqui vai um lembrete: trabalhador é assalariado., vende sua força de trabalho e não é dono dos meios de produção. Portanto não existe trabalhador capitalista. Esse conceito é uma mentira por definição. Capitalista é quem detém os meios de produção e tem capital. O trabalhador não tem nem uma coisa, nem outra. Trabalhador capitalista é apenas um ignorante explorado, enganado, extorquido e subjugado. É o mais baixo nível de subserviência social. Do jeito que os capitalista querem.
Os oponentes do Software Livre precisavam reagir às ideias libertárias para impedir sua propagação. Estava claro que a forma de criação de tecnologias de forma compartilhada era exponencialmente mais produtiva, rápida e precisa, mas as ideias de dar direitos a todos não deveria progredir. Impedir o controle tecnológico por parte das grandes empresas e governos europeus e Yankees era completamente inaceitável. Afinal de contas, como se sabe, é o controle da tecnologia quem garante o colonialismo e o fluxo de riquezas dos explorados para os exploradores.
Como manter as pessoas dispostas a produzir de forma colaborativa, como proposto pelo Software Livre, sem garantias de liberdade pós produção? Como fazer os profissionais de TI doarem suas horas de trabalho e inteligência para as grandes corporações de TI em vez de tornarem esse conhecimento livre e transformador? Como convencer que conhecimento não é para todos, mas um direito inerente a quem pode pagar mais por ele? A resposta veio da academia Yankee. Sim, da universidade.
Como se sabe, as universidades Yankees são, em sua esmagadora maioria, privadas. Elas vivem de um relacionamento extremamente promíscuo com o mercado. As doações feitas por empresas garantem seu funcionamento e as tecnologias criadas em suas salas de aula são repassadas às empresas para serem utilizadas na concentração de riqueza. Uma parceria que atende muito bem seu propósito. A academia Yankee não está lá para produzir conhecimento para o bem da humanidade, mas para servir ao capitalismo. Não há almoço grátis, nem mesmo para os pesquisadores acadêmicos.
Usando esse argumento, foi fundada uma organização chamada OSI – Open Source Initiative, que copiou todos os direitos e fundamentos do Software Livre do Stallman, mas com duas modificações fundamentais: suas licenças permitiam que o conhecimento fosse apropriado e seu viés ideológico passou a ser explicitamente pró-mercado. Em vez de falar em democratização do conhecimento para todos, se fala em produção compartilhada pela excelência da tecnologia. Fica claro o elitismo e enfoque tecnicista em vez de humanista, encaixando-se de forma maravilhosa com a visão de mundo dos reacionários profissionais de TI.
Mas a difusão das ideias da OSI não deveriam se restringir apenas às tecnicidades computacionais, porque a ideia de compartilhar conhecimento e realizar trabalho colaborativo já estava permeando outras áreas da sociedade. Com o acesso à internet estabelecido, o povo quer saber mais sobre seus governos, sobre seus empresários, sobre seus direitos e deveres. Assim, era fundamental garantir acesso sem dar liberdade. A chave é criar um limite de liberdade aceitável que não coloque em risco os sistemas de controle. Um termo que poderia ser facilmente vendido como libertário, mas não totalmente. Algo que fosse forte o suficiente para enganar a todos: Aberto em vez de Livre.
Open não é Free. Aberto não é Livre. Abertura é bom, mas não é liberdade. Liberdade é demais. Abertura da acesso, dentro de determinados limites. Mas quais limites? O mais fundamental de todos é limitar a liberdade mudando a percepção sobre a liberdade em si. É assim que surgem iniciativas de “Abertura” em todo canto: Dados Abertos, Governo Aberto, Código Aberto, Acesso à Informação, Open House.
Open ou Aberto, faz parecer que temos a liberdade de escolha, a liberdade de ingerir, a liberdade de ver o código ou os dados e de, portanto, manipulá-los e usá-los como desejarmos. Mas essa é a ilusão que o sistema quer que você tenha: ao substituir Livre por Aberto você tem menos liberdade. Sutileza que será usado pelos controladores do sistema para te colocar no seu lugar se necessário.
Foi assim que o Movimento Software Livre foi levado ao ostracismo e reduzido a sua insignificância, enquanto o Open Source e todas as demais iniciativas “Open” ganharam corações e mentes ao redor do mundo. Mais uma vez a “besta fera” da liberdade foi domada para perpetuar e aprimorar os sistemas de exploração.
É assim que os controladores do sistema justificam de forma socialmente aceitável os limites do que pode ou não ser compartilhado. Vemos os casos claros de censura como a prisão de Julian Assange do Wikileaks ou a proibição da transmissão dos canais russos como o Russian Today na Europa e Estados Unidos. Em nome da liberdade permitiremos acesso limitado ao que essas fontes divulgam. Chamaremos isso de falta de abertura da parte deles, pois mentem. Acusaremos o estado chinês de controle e censura. E o povo ocidental aceitará passivamente, por entender que o sistema sabe o que é certo e errado, porque o sistema pode me privar da liberdade sempre quando exista “abertura”.
Quem sabe um dia em vez de “Dados Abertos” tenhamos “Dados Livres”? Em vez de “Informações Abertas” tenhamos “Informações Livres”? em vez de “Mídias Isentas” tenhamos “Mídias Livres”?